Com a cabeça cheia de vento
Está a chover. A primavera chegou repleta de água e, entre os miúdos "fechados" em casa, os relatórios e avaliações para terminar, a antevisão das mil e uma coisas que tenho para fazer na próxima semana, sinto-me a deprimir... Não posso andar de mota! Não posso andar de mota! Não posso andar de mota...
Dou por mim, no carro, a inclinar-me nas curvas, a fazer contas aos minutos que me sobram entre atividades, a ir à garagem ligar-lhe o motor só porque sim... São sinais de dependência que não consigo controlar.
Uma amiga diz-me que quando ando de mota fico com a cabeça cheia de vento. Talvez. Talvez, às vezes, muitas vezes, seja bom ter a cabeça cheia de vento. Deixar que as palavras que ouvimos, as palavras que dissemos e as palavras que calámos se misturem com o vento.
Andar de mota apazigua-me a alma. Escrever sobre andar de mota apazigua-me as palavras que me atormentam a alma.
E, se ao fim de um dia de trabalho árduo, em que és obrigada a pôr a tua máscara de "olhem-para-mim-tão-querida-e-simpática-a-fazer-uma-coisa-de-que-gosto" (quando eu gosto é de ensinar e não de fazer aquelas outras trezentas mil tretas que os professores têm de fazer), quando pensas que o dia não pode ficar pior, te cruzas com alguém com quem discutes porque ainda (e sempre!) te bates pelo teu direito de questionar as coisas que te mandam fazer e às quais não encontras sentido, e pegas na mota para mais nada que não seja ficar com a cabeça cheia de vento, se, então, descobres uma realidade que esteve sempre ali e que tu nunca viste, de novo as palavras brincam contigo e enchem-se de vento "Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara. (livro dos conselhos)", in Ensaio sobre a cegueira, José Saramago.
Boas curvas!