18.º Lés a Lés - por detrás do rímel
Foi no momento em que o alarme tocou pelas cinco da manhã que eu tive consciência da dose de loucura que era necessária para, num dia feriado, me levantar àquela hora e andar 550 km, sem outro propósito que não fosse andar de mota, andar de mota e andar de mota.
Confesso que rosnei mentalmente uns quantos impropérios ao marido pelo terrível feitio de querer ser sempre dos primeiros em tudo, obrigando-nos aqui a um número de equipa matutino, mas tão matutino que, por pouco, não saíamos no dia anterior. Por várias vezes, nesse dia e no dia seguinte, haveria de engolir os tais impropérios e agradecer não ter de esperar em filas ou correr o risco de andar de mota colada ao meu top-case.
O dia ainda não tinha clareado na Praia dos Pescadores, quando saímos em direção aos muitos quilómetros até ao Luso.
O primeiro desafio veio com as curvas do Caldeirão. O rapaz lá seguiu à velocidade da sua 1200, e eu fui rolando à velocidade do meu tempo, que é o tempo de quem não sabe muito de motas, mas sabe que quer chegar. A parte boa do Lés-a-Lés é que há sempre alguém à tua velocidade, ou mais devagar, ou mais depressa. Entre 1550 motas há sempre uma para te acompanhar e nunca andas sozinha.
Parámos na Barragem do Roxo, com direito a estrada de terra batida, pó e ervas secas. E, se é verdade que posso até dispensar os saltos altos, não dispenso a elegância. Por isso, um momento para retocar o batom, que isto de andar de mota não é só pó e cabelos sujos no final do dia e uma mulher, motociclista ou não, gosta de ficar bem na fotografia.
No Torrão, tivémos de passar numa viela estreitinha, estreitinha, sem recorrer à ajuda do doutor, lá no fundinho, que auxiliava os necessitados com um bocadinho de vaselina ou um "bico de pato" para as meninas.
Parámos em Pavia, num controlo, e quase que conseguíamos ter uma fotografia da Anta...
Conheço bem estes caminhos: Pavia, Arraiolos... são nomes de outos anos, em que o Alentejo era uma casa alugada, cheia de estar sozinha. Hoje, percorro os caminhos com outros olhos. No Castelo de Arraiolos, à saída, sou desafiada por uns degraus para galgar.
Mesmo antes de entrar no caminho de terra batida que leva à Ribeira da Margem, uma mulher tira fotografias. Hesito. O caminho é longo e não consigo ver muito além. A mulher, provavelmente habituada a fazer o caminho em cima de um jipe, ou de um trator, e conduzida, certamente, por alguém, garante-me que a estrada é boa. E é boa (eu até gosto de caminhos)... até à ribeira!Os rapazes que vêm depois de mim deixam-se ficar para trás, não vá o diabo tecê-las. O marido vai dizendo o que eu tenho de fazer "dá-lhe gás, miúda!". Paro um momento. Hesito. Olho em frente e sigo.
Um pouco mais à frente a areia está solta demais, mas, ainda assim, sigo com à-vontade. Há uma miúda estendida na berma do caminho, duas ou três motas paradas e o meu rapaz diz-me para continuar, que ela não está sozinha, mas é mais forte do que eu: desvio os olhos um segundo, apenas um segundinho, tenho a certeza, e a Branquinha desequilibra-se. Deixo-a tombar e fico de pé a olhar para ela. É aqui que eu preciso de um homem. Alguém tem de a levantar, verificar que está a trabalhar, a travar, e, claro! siga para cima dela que há muito quilómetro para fazer. Segundo desafio superado!
Já a visita à ponte Filipina sobre o rio Zêzere foi um percurso mais difícil. Um engano que acabou bem. Se eu teria ido até lá baixo, se soubesse o que tinha pela frente? Não, não teria. Se eu voltaria a ir lá abaixo assim que acabei? Sim, teria! Foi alucinante demais. A adrenalina de uma montanha russa, com partes feitas de costas, e quedas livres no vazio como as do elevador da Disney (quem lá foi sabe do que estou a falar!).
Na ponte, o engano continuava, com todos a garantirem que o pior já tinha passado. Eu acreditava. Afinal não imaginava que subir fosse mais difícil do que descer (sim, eu tenho uma questãozinha com as curvas em descidas íngremes, principalmente quando o asfalto é de pedras soltas e data de 1610). No entanto, aqui o subir também tem o seu quê de experiência... que eu não tenho. Valeram-me as indicações do meu instrutor permanente: "primeira a fundo, miúda! desvia-te do buraco! olha a areia na curva! olha o gancho apertado! faz a curva por fora!"
Cá em cima, suspiro longo! Um sorriso orgulhoso instala-se-me no rosto e pausa para comer, para beber e respirar fundo!
A seguir, mais curvas até Góis. Outra vez cada um de nós segue ao seu ritmo. Estivemos em Góis em agosto, mas não cheguei a entrar no motoclube. Hoje há pastéis de nata bem quentinhos e a saber a canela. Que maravilha!O marido vai convivendo com os residentes...
Já estamos perto da Mata Nacional do Bussaco. Ele parte outra vez a curtir as descidas e eu curto-as também, mas mais devagar. Enquanto espera por mim, aproveita para tirar fotografias:
À chegada do Hotel Palace há mais tempo para fotografias. O sol começa a desaparecer e eu começo a agradecer por ser uma das primeiras equipas a chegar.
Há um pequeno mimo à nossa espera, à porta do Museu Militar. Brindamos ao fim desta etapa maravilhosa e desafiante.
Cá em baixo, no Luso, estão os braços dos meus amorzinhos à espera.
Há música boa a tocar, há sol a esconder-se atrás dos prédios, há gente que chega feliz. Estendo as pernas, bebo uma cerveja e sinto o calor dos sorrisos dos que amo.
Amanhã é outro dia. Amanhã há mais histórias, aventuras e viagens para contar.
Boas curvas!