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De batom e capacete

De batom e capacete

09
Nov16

Por entre os pingos da chuva

Dora Sofia

"Agora com a chuva, essa coisa de andar de mota já está mais calma, não?!" - perguntam-me os colegas na escola, a apontar para o céu escuro, com um sorriso crítico.

É... - respondo, sem olhar.

Estou azeda. Não vou por aí. Logo pela manhã, o marido tinha avisado:"Vai chover. Esquece os dias para andar de mota. Acabaram. Podes encostar a mota durante uns tempos." Gritei-lhe um "Não me deixes de mau-humor!!", mas não pude fingir que nao via o céu carregado, a anunciar tempestades. E, agora, aquilo.

Saio da escola. Já resolvi. Vou esticar a noite pela madrugada a fazer planificações, mas enquanto a chuva não chega, sou completamente livre! Livre para ir.

E, de repente lembro-me que estou muito errada quando, no desespero, digo que seria preferível que os professores trabalhassem das nove às sete com uma hora de almoço. Sim, estou tão errada, porque, ainda que as horas de trabalho fossem certamente menos, não poderia sair da escola à hora de almoço para ser assim tão completamente livre durante umas horitas.

Corro até casa para ir buscar a minha mota. Recebo uma mensagem: "Almoçamos juntos?". Sorrio e resolvo provocá-lo. Ainda estou zangada pela "ameaça" da manhã: "Não. Já combinei almoçar com os colegas..."

Espero um segundo. O tempo de um levantar de sobrancelha, de um espanto nos olhos.

"É mentira. Vou almoçar à praia... de mota! Demoras?" Sorrio, ao pensar no sorriso dele. Melhor do que um motociclista, só dois motociclistas...

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Em minutos estamos na estrada. A ameaça negra das nuvens paira sobre nós, constante, e por cada quilómetro, há um sorriso que cresce.

Vamos ao Baleal. Adoro esta praia. Porque é naturalmente linda e porque as suas pessoas também são lindas. Quando nos aproximamos, sentimos no ar uma energia positiva de gente feliz. É outono e na berma da estrada, vemos gente que corre, gente que passeia, gente que anda de bicicleta com os filhos; no areal há surfistas de mil cores por dentro, de fatos pretos por fora.

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É novembro, no oeste, e quando vejo uma rapariga de biquini a correr para o mar, percebo aquela linha invisível que nos une, uma dose de loucura que nos leva até ali.

O almoço faz-se à beira-mar. Omelete do mar e feijoada de chocos, num restaurante que já nos tínhamos prometido há algum tempo. As pessoas são simpáticas, cordiais, e não falam do tempo. Eu adorei, ele, já se sabe, faz-lhe falta falar um pouco do tempo...

Aproveitamos para contornar a "ilha". Em todos os sítios estamos bem. Paramos juntos. Sozinhos. Tiramos fotografias. Um ao outro, os dois. 

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Comento "É por isto que eu gosto de andar de mota, por esta possibilidade de deixar tudo para trás e ir para onde quiser, ser dona de mim."

Ele diz-me "Eu gosto de andar de mota porque gosto, não sei porquê. Gosto. Apenas."

Eu sorrio. Desta vez, ele ganhou-me nas palavras.

 

Boas curvas!

 

 

04
Abr16

Por entre os pingos da chuva

Dora Sofia

Há um ano atrás tinha-me prometido o Dia Nacional do Motociclista, com a MINHA mota. Deixei-me encantar pelo ambiente festivo, de partilha, de fé e de um certa comoção que paira no ar quando se dá a benção das motas e dos capacetes. 

Depois desse dia, tudo aconteceu. Prometi-me uma mota. Namorei-a e, apesar de não ser a tal (ainda!), estamos num relacionamento sériozinho, a conhecermo-nos devagarinho. Bem, segundo o homem da casa, devagarinho demais!!

A chuva ameaçou estragar-nos o fim-de -semana, e, imaginem!, ponderámos ir de carro, mas o prometido era devido e eu queria mesmo era andar de mota! Isso e a convicção - erradíssima!!! - de que a previsão do tempo teria uma margem para erro suficientemente grande para escaparmos às nuvens... enfim, a chuva persegue-nos! 

Lá fomos, metade vontade, metade paixão, até terras de Penafiel.

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A parte boa foi mesmo andar de mota, namorar, namorar, namorar (pois que a chuva convidava ao quarto de hotel) e andar de mota outra vez.

Mesmo com a chuva, as celebrações fizeram-se e ainda por lá havia uns quantos milhares tão loucos como nós. 

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 Enquanto nos abrigávamos da chuva, íamos celebrando com um espumante, porque nem só de cerveja vive a malta das motas 

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A parte má foi que o rapaz diz que eu ando mesmo devagar (ainda não apanhei o jeito para aquelas curvas em descidas a pique nas montanhas do Norte; é que o fundinho é mesmo, mesmo, lá muito em baixo!); aliás, ando tão devagar que ele diz que conseguiu preparar toda a semana de trabalho, ler uma revista e consultar o e-mail, enquanto esperava por mim... quatro vezes!

Pois, já percebi! O lés-a-lés vai mesmo ter de ser à pendura este ano. Por um lado, estou longe dos 10000 km exigidos pela lei de "os entendidos é que sabem" e, por outro, arrisco-me a que, ultrapassada enfim a serra algarvia, o rapaz tivesse ficado velho de tanto esperar por mim... Se fico triste? Claro!!

Mas nós somos uma equipa e uma equipa é mesmo assim. 

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Ah! Ainda assim, acho que passei com distinção no curso de mota à chuva! E só esborratei um bocadinho de nada a maquilhagem...

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Boas curvas!!

 

 

 

21
Mar16

Com a cabeça cheia de vento

Dora Sofia

Está a chover. A primavera chegou repleta de água e, entre os miúdos "fechados" em casa, os relatórios e avaliações para terminar, a antevisão das mil e uma coisas que tenho para fazer na próxima semana, sinto-me a deprimir... Não posso andar de mota! Não posso andar de mota! Não posso andar de mota...

Dou por mim, no carro, a inclinar-me nas curvas,  a fazer contas aos minutos que me sobram entre atividades, a ir à garagem ligar-lhe o motor só porque sim... São sinais de dependência que não consigo controlar.

Uma amiga diz-me que quando ando de mota fico com a cabeça cheia de vento. Talvez. Talvez, às vezes, muitas vezes, seja bom ter a cabeça cheia de vento. Deixar que as palavras que ouvimos, as palavras que dissemos e as palavras que calámos se misturem com o vento.

 Andar de mota apazigua-me a alma. Escrever sobre andar de mota apazigua-me as palavras que me atormentam a alma. 

E, se ao fim de um dia de trabalho árduo, em que és obrigada a pôr a tua máscara de "olhem-para-mim-tão-querida-e-simpática-a-fazer-uma-coisa-de-que-gosto" (quando eu gosto é de ensinar e não de fazer aquelas outras trezentas mil tretas que os professores têm de fazer), quando pensas que o dia não pode ficar pior, te cruzas com alguém com quem discutes porque ainda (e sempre!) te bates pelo teu direito de questionar as coisas que te mandam fazer e às quais não encontras sentido, e pegas na mota para mais nada que não seja ficar com a cabeça cheia de vento, se, então, descobres uma realidade que esteve sempre ali e que tu nunca viste, de novo as palavras brincam contigo e enchem-se de vento "Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara. (livro dos conselhos)", in Ensaio sobre a cegueira, José Saramago.

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Boas curvas!

 

06
Jan16

Por falar em motas #2

Dora Sofia

Percebes que algo muito estranho se passa contigo quando por cada "estou farto de chuva" que ouves (e são muitos, num país de eternos insatisfeitos, onde o maior prazer se resume a falar do tempo), logo agora que tomaste a decisão de ser  simpática e de aprender a falar do tempo, descobres que só te ocorre responder "e com esta chuva não posso andar de mota", o que é igualmente estranho e antissocial como não saber falar do tempo. E, então, calas-te e continuas antissocial, sem saber falar do tempo...

chuva mota.jpgFoto: Narinder Nanu/AFP

 

... mas a desejar que pare de chover para andares de mota, ainda que saibas, por experiência, que não chove dentro do capacete!

"I'm riding in the rain, just riding in the rain..."

 

Boas curvas!

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